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Robert Sullivan, 85 anos, caminha a passos pesados pelo auditório municipal de Shreveport, cidade do estado da Loui-siana, no sul dos Estados Unidos. Foi ali, em 1948, que ele iniciou a carreira de técnico de áudio, no programa de rádio Loumana Hayride, que disputava a audiência dos amantes do country com o Grana Ole Opry. E foi ali que ele testemunhou o nascimento de uma lenda—talvez a maior delas — do rock: em outubro de 1954, fazia sua estreia no Hayride um jovem de cabelos castanhos (que três anos depois seriam tingidos de preto) e um sorriso de lado que derretia as mulheres. Era Elvis Presley. Ele vinha de uma experiência infeliz no Grana Ole Opry. cujo público era tradicional demais para sua música (do episódio, aliás, ficou uma dessas lendas de rejeição prematura que fazem parte do folclore de toda grande estrela: um executivo da rádio de Nashville teria dito ao iniciante que ele deveria largar a música e voltar a dirigir caminhões). O jovem roqueiro levava dez horas para se locomover de Memphis, no Tennessee, onde morava, até Shreveport, onde fazia duas entradas no programa. "Em uma dessas noites, ele mal acabou de tocar e já saiu para viajar mais seis horas até Oklaho-ma, onde tinha outro show marcado", conta Sullivan. Em uma conversa com o técnico, Elvis justificou todo esse esforço em termos que, a distância, soam absurdos: "Tenho de fazer isso enquanto sou jovem, porque daqui a um ano ninguém mais vai se lembrar de mim". No dia 16 de agosto, completam-se 35 anos da morte de Elvis Presley, e ele continua lembrado como nunca. Mesmo depois dos Beatles, de Michael Jackson e de Madonna, o cantor ainda detém o posto de maior ganhador de discos de ouro e platina de todos os tempos — são 131 ao todo. Ele começou a gravar em um período no qual a aferição de números era nebulosa, mas estima-se que tenha vendido mais de l bilhão de discos. Elvis deixou sua presença marcada a fogo no imaginário pop. Sem nunca ter excursio-nado fora de seu país (descontados aí uns poucos shows no vizinho Canadá), tomou-se uma figura global. Sua voz, sua postura de palco, sua indumentária são imediatamente reconhecíveis, e ele é o astro mais parodiado de todos os tempos. No Brasil, neste ano, dois eventos vão celebrar a memória daquele que foi aclamado o Rei do Rock. A exposição El-vis Experience incluirá 500 artigos pessoais do cantor, entre os l quais o famoso e vistoso traje American Eagle, que ele usou no especial Aloha from Hawaii, de 1973. A abertura da mostra, em 5 « de setembro, no Shopping Eldorado, em São Paulo, deve contar com 1 a presença da viúva do cantor. Pris-cilla Presley. Em outubro, São Paulo recebe Elvis Presley in Concert, da TCB Band, que tocou com Elvis de 1969 até sua morte — e vem acompanhada de projeções em vídeo do cantor. As três noites do show estão com lotação quase esgotada. Mostra e show confirmam o status de objeto de culto que Elvis conquistou antes de qualquer outro astro do rock. VEJA visitou a paisagem original do mito: as cidades de Tupelo, Memphis, Nashville e Nova Orleans, locais decisivos para a carreira e para a formação musical de Elvis. O resultado está na reportagem que o leitor tem em mãos — e que se expande tanto na edição de VEJA para iPad quanto na on-line, com mais de vinte vídeos especialmente produzidos no Sul americano (navegue por eles a partir de veja.com.br/elvis)."Este é o mistério da democracia. Seus frutos brotam em circunstâncias inesperadas e em solos pouco cultivados pelo homem", disse o presidente Woodrow Wilson sobre Abraham Lincoln, o lenhador que chegou à Casa Branca. A despeito de seu título de realeza roqueira, Elvis Aaron Presley é também um desses frutos inesperados da democracia. Sua biografia tem aquela combinação de predestinação e adversidade que está na base do chamado sonho americano. Em certa medida, seu rock'n'roll é a expressão do espírito confiante da sociedade americana no pós-guerra: ostensivamente barulhento, rápido, agressivo, mas repleto da mais inocente vitalidade. Não, Elvis não criou o rock'n'roll. Mas foi sua maior estrela. Nunca estudou música, mas tinha um impressionante conhecimento intuitivo das expressões populares do Sul americano: gospel, country, blues e rhythm'n'blues, todos os gêneros que serviram de base para o rock?n'roll. Elvis não era compositor, mas colocou personalidade em tudo o que gravou. Tomem-se, por exemplo, as duas músicas que faziam parte do seu primeiro compacto na Sun Records, de Memphis. Thai's AH Righi, de Arthur Big Boy Crudup, era uma das prediletas de Elvis desde os tempos em que morava em sua cidade natal, Tupelo. Num discreto lance criativo, ele acrescentou à letra um expressivo "weelll" na introdução. Bine Moon of Kenmcky, de Bill Monroe, recebeu um andamento acelerado, que deixou uma canção por natureza interiorana mais próxima das metrópoles. |
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TEMPLO CAFONA Graceland (acima), a mansão de Elvis: comprada pelo cantor em 1957, ela hoje é um museu para os fãs. Foi aberta para visitação em 1982 e recebe as de 600 000 pessoas por ano. A decoração tem muito da personalidade de Elvis.
Phillips, a princípio, manteve-se cético, mas recrutou o guitarrista Scotty Moore e o baixista Bill Black para que fizessem um teste com o novato. Elvis acabou contratado e se tomou um sucesso local. Phillips venderia seu passe por modestos 35 000 dólares à gravadora RCA, na qual ele afinal ganharia o status de astro maior do rock americano (com substancial ajuda do estúdio Paramount: Elvis consolidou sua imagem popular em 31 filmes). O negócio já foi considerado uma mancada indesculpável de Phillips, mas. considerando que o futuro do jovem artista então era incerto, tratou-se de uma decisão razoável. Phillips saldou as dívidas da Sun Records e continuou a investir em novos talentos, como Jerry Lee Lewis. Carl Perkins e Johnny Cash. As explicações pretensamente políticas para o sucesso de Elvis tendem a menosprezar seu talento e carisma, transformando-o em usurpador branco dos ritmos criados pelos negros. Contra-ditoriamente, a paixão do cantor pela música negra parece tê-lo transformado em racista. Em sua autobiografia, o bluesman B.B. King põe essa bobagem no devido lugar. "Elvis foi um grande divulgador da minha música", diz. É fato, porém, que a crescente politização do rock a partir dos anos 60 abalaria o estrelato de Elvis. Ele continuou vendendo discos e fazendo shows de imenso sucesso, sobretudo em Lãs Vegas. Mas já não estava na vanguarda. Os ingleses do Led Zeppelin visitaram Elvis em Graceland, sua mansão em Memphis, mas foram exceção: para os artistas daquela geração, ele era ultrapassado e careta. Afinal, mostrara-se todo orgulhoso em seu uniforme militar, quando serviu no Exército, de 1958 a 1960 (aliás, foi na condição de pracinha que fez sua única viagem à Europa, servindo na Alemanha). Em 1970, piorou sua imagem ao visitar o presidente Richard Nixon na Casa Branca.Foi proclamado embaixador da juventude e aproveitou a ocasião para criticar os Beatles e os Rolling Stones por incentivarem o consumo de drogas (uma triste ironia, se lembrarmos que os barbitúricos foram um fator na morte de Elvis). Para além da política, censura-se a breguice flamejante de Elvis em seus shows de Lãs Vegas nesse período. São dessa fase os macacões brancos que se tornaram os favoritos entre os imitadores (exceção notável: Bono, do U2, preferiu o casaco de couro preto de Jailhouse Rock quando homenageou Elvis na turnê Zôo TV)."Fui adolescente na década de 70 e conheci o Elvis gordo. Demorei a perceber seu talento como entenainer", diz o antropólogo Nick Spitzer, estudioso da música popular americana. Não há como negar que a veia kitsch corria fone em Elvis. Conjugando certo provincianismo regional à tendência universal que os novos-ricos têm para a ostentação. Isso e' palpável em Graceland, hoje um roteiro de peregrinação para os fãs. Entre outras aberrações do luxo cafona, a casa tem um quarto com motivos havaianos, e a sala de TV é decorada com um imenso macaco de porcelana.Não há muito brilho nos últimos anos de Elvis. A separação de Priscilla que deixou Graceland na noite de Natal de 1971 — foi barulhenta e dolo rosa. Elvis viveu cercado de uma turma de amigos e guarda-costas chamados de “a máfia de Memphis", tipos parasitários que faziam os mais diversos serviços: arranjavam mulheres, pagavam contas, ameaçavam inimigos. Até hoje, em Memphis, há gente vivendo dessa singular profissão: amigo do Rei. "Quanto você pode pagar?", perguntam sempre que encontram um jornalista interessado no passado de Elvis (não, nenhum deles pegou carona nesta reportagem). Ao ser encontrado mono no banheiro de Graceland, em 1977, Elvis estava, mais do que gordo, inchado - resultado de uma dieta à base de sanduíches de banana com manteiga de amendoim, bacon e doses pantagruélicas de tranqüilizantes. O ídolo, o ícone — estes permanecem inalterados e esbeltos, com toda a exuberância sexy do melhor rock'n"roll.