No cano da Garrucha, cofre de
capira
Ao findar o dia 18 de maio de mil novecentos e
vinte e sete, a soturna noite foi refrescada por uma brisa leve e fria
que foi entendida como prenúncio de um inverno rigoroso pelos moradores
das cabeceiras do rio Sucuri no município de Pongai .
O rigor da frente fria provocara chuva na região,
as goteiras que caiam do telhado do velho casarão de madeira serviam de
acalento para o casal de idosos, Isael e Cotinha, que, em sono profundo, se
refaziam de mais um dia de trabalho.
Incentivado por imigrantes japoneses, seu Isael
passou a arrendar parte de seu sitio para plantadores de algodão que, naquele
ano, lhe rendera lucros, nunca antes conseguido com a lavoura de subsistência
por ele praticado. A notícia correu pelas vizinhanças e sei Isael
passou a gozar status de um pequeno fazendeiro.
A ausência de meios de transporte próprio da época
e o comodismo dos caboclos, os obrigavam guardar suas economias em
baixo do colchão.
Com a previsão de um fluxo maior de dinheiro o
Sr. Isael começou a ensaiar para breve uma ida até Pirajuí para abrir uma
conta corrente no Banco do Brasil, já que Pongaí não dispunha desse tipo de
estabelecimento. Enquanto não ia à cidade para fazer o deposito Seu Isael
procurava de varias formas proteger suas economia, pois sabia que
os lucros obtido com a venda do algodão estava despertando a atenção de
muitos vizinhos.
Sabendo que ratos e traças podiam lhe causar
enorme prejuízo, não se sentia seguro guardando seu dinheiro na gaveta ou sob
o colchão. Em sua matreirice de caipira, foi criativo e original ao escolher
um lugar seguro para guardar seu dinheiro até que pudesse ir ao banco para
depositá-lo. Foi enrolando maços de notas em forma de charuto e colocando-os
no cano de um velho garruchão. Tampou o cano com uma ponta de sabugo e
dependurou atrás da porta do seu quarto. Foram quatro charutos de cédulas de
grande valor daquela época, que se somava uma pequena fortuna..
Alguém já informado sobre a existência do
dinheiro e que o casal de velhos moravam sozinhos, viu ai a possibilidade de
um roubo fácil e rendoso e, mesmo embaixo de chuva, dirigiu-se para o velho casarão
e, de posse de uma faca de lamina fina e comprida, a fez correr em uma fresta
entre a rústica porta e o batente da mesma, girando uma taramela que
escancarou uma grande e escura cozinha onde uma manta de toucinho e alguns
gomos de lingüiça de porco defumavam sobre o embatumado fogão a lenha, de
onde exalava seu cheiro por toda a cozinha que, somado ao cheiro forte que
vinha da tabua de queijo curado, dava uma atmosfera toda própria àquela
cozinha, através da qual o larápio teve acesso ao corredor que o levou até o
quarto, pois sabia que ali encontraria o que buscava.
Mesmo tomando muito cuidado para não fazer
barulho, o abrir de gavetas e remexer em papeis, parecia muito barulhento
naquele ambiente silencioso. Após alguns minutos de procura o ladrão ouviu
alguém se mexer na cama e emitir alguns sussurros. Como sabia que seu Isael
era sonâmbulo, resolveu tirar proveito e arriscou uma pergunta: “onde está o
dinheiro do algodão”? Mesmo dormindo, respondeu corretamente: “está no cano
da garrucha”!
Pensando tratar-se de uma reação armada, o ladrão
fugiu na escuridão da noite, deixando como denuncia as gavetas remexidas,
levando como lembrança apenas o agradável cheiro de uma cozinha caipira.
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Lázaro
Carneiro